FORMAÇÃO BÍBLICA - 1ª Etapa - Frei Riva

FORMAÇÃO BÍBLICA
(Prelazia de Itaituba – 14-17/10/2013)
Frei Rivaldave Paz Torquato, O. Carm.
1ª Etapa

A palavra é viva e eficaz (Is 55,10-11; Hb 4,12)
     é espada do Espírito (Ef 6,17)
     é inspirada por Deus (II Tm 3,14-17)

mas para lê-la bem é bom observar os seguintes CONSELHOS:

1º conselho: não ler um verso isolado fora do contexto.
a) Um exemplo simples: O Sl 14,1 tirando a frase do contexto permite afirmar a não existência de Deus, pois alí está escrito “Deus não existe”. Se a Bíblia é Palavra de Deus, então o próprio Deus estaria negando a si mesmo. Quando na verdade a frase no seu contexto diz: “Diz o insensato no seu coração: Deus não existe”. O contexto mais amplo muda completamente as coisas. Lendo frases isoladas posso fazer a Bíblia dizer o que ela nunca disse.
b) Um exemplo mais complexo: No livro de Neemias, ele afirma que povo eleito é povo separado, ou seja, eleito = separado (cf. Ne 9,2; 10,29; 13,3.30). Também nesta perspectiva ele mura a cidade. Ora, se a missão de Israel era ser luz das nações (Is 42,6; 49,6), tornar Deus conhecido e amado entre os povos, este conceito de Neemias vai contra toda a perspectiva da missão se tomamos este livro isolado fora do contexto da Bíblia. A Bíblia não eliminou este livro, está consciente de que se trata de Palavra de Deus em linguagem humana. Mas acolhe outro livro que contrabalanceia este pensamento que é o livro de Jonas. Ele resiste ir aos pagãos, mas termina indo e é bem sucedido, pois era vontade de Deus. Era preciso inserir-se em vez de isolar-se.
c) Esdras, preocupado com a pureza da raça, resolve mandar as mulheres estrangeiras (casadas com judeus) e seus filhos embora (cf. Esd 9,1-2; 10,2-3.11.18-19.44). O livro torna-se perigoso se o tomamos isolado. Quando se contrapõe Esdras ao livro de Rute se encontra o equilibrio da balança. Rute mostra a inserção de mulher estrangeira em Israel que realmente soma e faz a diferença.

2º conselho: não abrir a Bíblia de forma cega e ler qualquer verso.   Exemplos:
a) uma mulher deprimida queria encontrar na Biblia uma palavra de conforto. Abriu a Bíblia na base do sorteio do texto e caiu no Gn 3 e ela levou o dedo no v. 14:
“...és maldita entre todos os animais domésticos e todas as feras selvagens. Caminharás sobre teu ventre e comerás poeira todos os dias de tua vida”.
b) um jovem desesperado abre o Evangelho para buscar luz pra sua vida, mas abre o Evangelho de forma cega e se depara com Mt 27,3-5:
Então Judas, que o entregara, vendo que Jesus fora condenado, sentiu remorsos e veio devolver aos chefes dos sacerdotes e aos anciãos as trinta moedas de prata, dizendo: ‘Pequei, entregando um sangue inocente’. Mas eles responderam: ‘Que temos nós com isso? O problema é teu’. Ele, atirando as moedas no Templo, retirou-se e foi enforcar-se”.
O Jovem pensou e achou a solução um pouco exagerada para o seu desespero e então resolveu abrir outro texto à cega e a sorte cai em Lc 10,37b: “Jesus então lhe disse: ‘Vai, e também tu, faze o mesmo’”.
A Palavra de Deus quer transmitir os desígnios de Deus para nós, o plano divino, sua vontade. Não pode ser reduzido a um sorteio mágico. Seria uma forma irresponsável de leitura onde se brinca com a vida. Nos exemplos acima, aquela mulher e aquele jovem podem culpar Deus pelo texto que escolheram ou dizer que é vontade de Jesus que ele se matasse?

3º conselho: não interprete a Bíblia ao pé da letra. Por duas razões básicas:
a) Nosso texto é uma tradução. O original é hebraico e/ou grego. Numa tradução nem sempre encontramos palavras que correspondam exatamente. Então é ilusão discutir por causa desta ou daquela palavra.
b) Existem formas de expressão onde se afirma uma coisa, mas o sentido é outro. Por exemplo! Se digo: “Maria é uma rosa!” ninguém vai entender que Maria é um planta, mas sim que ela é bela. Todavia, se tomo ao pé da letra eu disse que ela é uma planta.
Se quero ir à Santarém e não conheço a direção, mas saindo de Itaituba vejo no caminho uma placa sinalizando “Santarém”. A placa não é Santarém, apenas sinaliza que Santarém é mais pra frente, tenho que ir um pouco mais longe. Mas uma pessoa pode se agarrar na placa e ficar alí pensando que já está em Santarém. É o que acontece com quem se agarra no texto bíblico tomando-o ao pé da letra. Fica só na placa. É o fundamentalista. Esta leitura da Bíblia faz dele um fanático e não um crente ou discípulo de Jesus.

4º conselho: distinguir verdade de fé x verdade histórica. Não cobrar de um texto uma verdade histórica ou interpretá-lo como verdade histórica quando ele quer nos transmitir uma verdade teológica, ou seja, uma verdade de fé. A atitude correta é perguntar qual a mensagem que o texto quer me transmitir, qual a verdade que o texto quer me ensinar?
Exemplo: com quem casou Caim? Esta preocupação histórica não é a preocupação do texto. Seu foco é teológico, é a verdade de fé. Neste caso, o episódio quer mostrar o rompimento da fraternidade e não a existência histórica do personagem.

5º conselho: rezar pedindo a luz do Espírito Santo para melhor compreender a Sagrada Escritura cada vez que vai lê-la. Pois, se a Bíblia é inspirada por Deus (II Tm 3,16) então não podemos entrar nela sozinhos – sem a ajuda que vem do alto. É preciso pedir para que o mesmo Espírito que a inspirou nos ilumine para compreendê-la.

6º conselho: lembre-se que em Mt 4,5-6 o diabo se serve do Sl 91 (90),11-12 para tentar e desviar Jesus de seu caminho, ou seja, o inimigo, o tentador, o diabo se serve também da Bíblia para fazer voce negar a sua fé e se afastar de sua Igreja.

Os discípulos de Emaús (Lc 24,13-35)

Os dois discípulos que não fazem a experiência do ressuscitado, não se encontraram com Jesus vivo, estão deixando a Igreja nascente (Jerusalém) para recomeçar a vida em Emaús.

O texto pode ser dividido em três partes:
a) vv. 13-24: REALIDADE. Jesus parte da realidade, não da doutrina ou das coisas da fé. Mostra interesse pela situação dos dois discípulos, coloca a vida deles com suas dificuldades em primeiro plano.
b) vv. 25-27: BÍBLIA. Só então é que Jesus vai iluminar a vida deles, a situação difícil que estavam passando, com a Palavra de Deus. Só a leitura da Bíblia pode fazer arder o coração (v. 32), mas sem levar à ação nem reconhecer o ressuscitado.
c) vv. 28-35: AÇÃO. Os dois discípulos tornam-se protagonistas. Chamam Jesus para ficar com eles, e na partilha do pão reconhecem Jesus. Descobrindo Jesus, voltam imediatamente para a Igreja (Jerusalém).
Jesus não se impõe, nem se revela. Antes, deixa-se reconhecer e acolher. Não reconhecê-lo nas horas dificeis não significa que ele esteja ausente. É preciso estar atento para perceber o extraordinário de Deus no ordinário da vida.
Estes três passos ou partes revelam um método de leitura bíblica ensinado pelo próprio Jesus, ou seja, a Bíblia não pode ser lida sem considerar a realidade em que vivemos e sem partir para a ação. Ela ajuda discernir para bem agir.
Muitos leem a Bíblia, mas são incapazes de olhar para o mundo ao redor (ver a realidade) e colocá-la em prática (ação). Entra-se não raramente no fanatísmo que em vez de unir, cria divisão.
Passos na formação da Bíblia

1. O acontecimento ou experiência (ex.: a fuga do Egito)
2. A interpretação do acontecimento (ex.: p/ uns a fuga foi sorte, p/ outros mão divina)
3. A formulação (das conclusões tiradas na perspectiva da fé. Por ex.: o povo percebe que Deus o conduziu pelo deserto como um pastor a seu rebanho e então formula oralmente: “o Senhor é meu pastor nada me falta” Sl 23,1; 78,52).
4. A transmissão oral (de pai pra filho, de geração em geração. Por ex.: Sl 44,2; 78,3-4; Ex 13,14; II Sm 7,22).
5. A fase escrita. A transmissão oral (que foi levada à frente pela tradição) passa a ser escrita: torna-se Escritura. Mas as outras obras (apócrifas ou profanas) também seguiram o mesmo processo até aqui.
6. O canon.[1] Posteriormente a comunidade seleciona os escritos – que segundo seus critérios – são palavras de Deus, isto é, edificam a comunidade, animam a fé. Então insere tais escritos no canon. O texto (que já estava sendo) passa a ser (definitivamente) normativo da fé.
7. Tradução. Tempos e lugares provocam a necessidade de tradução para outros idiomas. Às vezes ao passar do tempo, uma lingua suplantou outro e consequentemente vem a necessidade de tradução. Assim foi com os targuns, em parte a LXX e o NT, a Vulgata. Às vezes o espaço, a expansão da fé para outros lugares com outras línguas exigiria nova língua.

8. O leitor. Hoje eu leio o texto, em sentido inverso (passando por estes pontos) tento entrar em contado com os acontecimentos (nº 1) para iluminar a minha/nossa fé.

Obs:

No caso dos Profetas:
1. Problemas (cacos de vidro sociais) que são confrontados com a Aliança.
2. Profecia/oráculo. O profeta emite oráculos ou faz profecias em nome de Deus.
3. A transmissão oral. A tradição se incumbe da transmissão.
4. Escrita... etc...

No caso de Paulo (NT):
1. Problemas. Existem os problemas nas comunidades que chegam ao ouvido de Paulo. Para solucionar tais dificuldades, o apóstolo senta e...
2. Escreve uma carta (cf. Rm 15,15; I Cor 5,9; Gl 6,11; Fm 1,19).
3. Canon... etc.







Gn: uma família

O Gn é o livro da família. Tudo que ocorre se dá no âmbito duma família e da parentala. São relações familiares. Veja as principais relações:
a) esposos: Abraão/Sara (Gn 12ss); Isaac/Rebeca (Gn 24; 28); Jacó/Raquel (Gn 29,15-35); José/Asenet (Gn 41,45; 46,20).
b) esposa-filho: Sara, Rebeca e Raquel (Gn 29,31; 30,1) são estéreis durante certo período de suas vidas.
c) sogro-genro: Labão/Jacó (Gn 27,46; 29,1-14; 30,25-32,3).
d) irmãos: Caim/Abel (Gn 4); Esaú/Jacó (Gn 27; 32,4-22; 33); José/irmãos (Gn 37ss)
e) parentes: Abraão/Ló (Gn 13); Ismael/Isaac (Gn 16; 21).
f) poligamia: Sara/Agar/Cetura (Gn 25,1); Lia/Raquel (Gn 29,15-30,24). 
g) a lei do levirato ou cunhado: Judá/Tamar Gn 38 (cf. Dt 25,5).

1ª Parte: o Problema

Gn 3,9: O Senhor-Deus pergunta ao homem: onde estás?        HOMEM

Gn 4,9: “Onde está teu irmão ...?                                            DEUS

1) situação: 4,3-7                             2) a solução do conflito (ou veredito) de Caim: matar (4,8)
3) qual a opinião de Deus sobre o fato? (4,9-12)
4) postura do agressor (4,13-14)   5) como Deus trata o culpado? (4,15)

2ª Parte: a Solução

Gn 37: José: “procuro meus irmãos

1) situação: é odiado pelos irmãos (37,4.5.8) e o motivo é a inveja (37,4.8.11.19).
2) a solução do conflito (ou veredito) dos irmãos:
a) matar (37,20)
b) lançar na cisterna (vazia v. 24) - atitude de um dos irmãos (37,21-22): Rubén
c) vender - atitude de outro (37,26-27; Sl 105,17): Judá

3) solução proposta pela vítima: “procuro meus irmãos” (37,16)    JOSÉ
Paralelo com Jesus: vendido como Jesus (37,27-28; 45,4-5).

Releitura de fé!
José faz uma re-leitura da sorte à luz da fé: Gn 45,3-8; 50,20. Vê a presença e o plano de Deus na trama de sua vida, descobre que seu sofrimento tem uma finalidade e inocenta os irmãos.
Veja o esquema entre 4,9 e 37,16! Na primeira parte da obra Deus aponta o problema: “onde está o irmão?” (4,9). Enquanto na segunda parte procura-se resolver o problema: é preciso procurá-lo (37,16). Mas quem procura é a vítima! Ela ouve o apelo de Deus pelo irmão.

Para reconstruir o país:
      - Gn 1 ressalta a importância da PALAVRA que tem a força de criar. O dilúvio também!
      - Gn 3ss ressalta a importância da FAMÍLIA como elemento de estruturação da sociedade.

Exercícios

1) Gn 2,4b-25 x 3,1-24:    a) qual o ideal que Deus propõe?
     b) quais as dificuldades pra realizá-lo? c) se o paraiso é a Amazônia, qual é a serpente?

2) Gn 12,1-9:    a) o que Deus promete?      b) o que Deus exige?
Ex: um povo

Enquanto o Gn focaliza a Família no retorno dos exilados... Mas a família cresce (Gn 45,16-20; 46,1-7; 47,27).
o Ex focaliza o povo e quer mostrar que assim como Deus tirou do Egito, tira também da Babilônia. Mas é preciso se organizar...

Etapas históricas, projetos, personagens!

1) Situação do povo no Egito:

a) Ex 1,8-22
a) como as parteiras contribuem para o projeto de Deus?
b) como seu grupo defende a vida hoje?

b) 2,23-24; 5,6-19 Quais os sinais da opressão e de resistência? 

Só quando o povo percebe que não dava mais é que começou a se organizar. Nós continuamos de boca fechada. Será que é preciso aumentar a opressão pra gente se acordar?

2) A figura do lider Moisés
Ex 2,1-10 dupla educação: a da mãe pobre e a do palácio
A dupla educação entra em conflito. Mas Moisés é experto e usa:
- a astúcia da corte e
- a herdada da mãe.

1ª Fase (2,11-16): age como príncipe da corte -> recorre ao método do sistema, age com a cabeça dos grandes e o resultado é o fracasso.

Experiência de Deus – Sarça (3,1-6): o sofrimento do povo é uma sarça que queima sem se apagar na sua consciência. Deus envia: vai (3,10.16; 4,19; 6,11). Mas vem as resistências ao chamado:
a) Quem sou eu? (3,11): não acredita em si mesmo! <- Deus responde: Estou contigo” (3,12).
b) Qual é o seu nome? (3,13): <- Deus revela seu nome (3,14)
c)  Eles não acreditarão (4,1): <- Deus promete sinais (4,2-5)
d) Não sei falar (4,10):           <- Deus responde (4,11-12)
=> Moisés fecha a questão: envia quem quiseres (4,13)
=> Deus, porém, não desiste (4,14-16).

=> Moisés se rende (4,20): leva na mão a vara de Deus!
=> a única garantia de Deus (3,12): estarei contigo!

2ª Fase (4,28-31): organiza o povo, age como pastor (cf. 3,1), obediente a Deus -> consegue libertá-lo (Ex 14-15).  
A mudança entre o antes e o depois é resultado da experiência de Deus!

a) Ex 18,13-27
a) como Moisés exerce sua liderança?
b) qual o conselho do sogro Jetro?





[1] No uso semântico geral, canon significa cana ou vara para medir, régua, norma, regra de fé, isto é, a tradição como critério de fé. O termo pode ser derivado da raiz semítica qnh (= vara de medir, régua) ou do acâdico canû, em hebraico qanéh (= cana para medir). Assim canon ganha a conotação de norma ou critério de fé e de vida para os fiéis ou normatividade da Sagrada Escritura, aquela qualidade pela qual ela se erige como norma, regra de fé e da vida. Portanto, àquele uso geral do termo foi acrescentado outro complementar, precisamente o de elenco normativo dos livros inspirados. Implícito no termo está o sentido de norma ou conteúdo objetivo dos livros inspirados, entendido como “norma da verdade cristã”. A partir de então os livros inspirados, isto é, escritos sob a inspiração do Espírito Santo, são chamados livros canônicos, porque reconhecíveis como tais pela Igreja e por ela propostos aos crentes como norma de fé e de vida.

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